A decisão da Ford de não mais fabricar veículos no Brasil — a produção totalmente nacional vinha desde a década de 1950 — surpreendeu empregados e até o governo, mas não é caso isolado. Nos últimos três anos, pelo menos outras 14 companhias internacionais, da indústria ao varejo — também anunciaram o fim de atividades no país, segundo levantamento feito pelo GLOBO.São empresas de diferentes setores, com estratégias globais distintas, mas que foram afetadas aqui por algo em comum: o ambiente de negócios, marcado pelo complexo sistema de impostos, incerteza jurídica, e a instabilidade política que afeta o câmbio e eleva juros e riscos.Sem falar nas deficiências crônicas de infraestrutura e na estagnação da economia, que já tinha dificuldades de retomar o fôlego após a recessão iniciada em 2014 quando foi atravessada pela pandemia. As projeções indicam uma retração do PIB de 4,5% no ano passado.Todos esses fatores, que costumam ser resumidos na expressão Custo Brasil, têm reduzido o apelo que o país sempre exerceu por ser um grande mercado consumidor, dizem analistas. Hoje, uma população de mais de 200 milhões de pessoas pode ser atraente para vender produtos, mas não necessariamente para se produzir aqui. O PIB per capita caiu cerca de 9% desde 2014, o que significa redução no poder de compra dos brasileiros.As indústrias transnacionais, que atuam globalmente, dividem sua produção pelo mundo. Mas a parte mais avançada da tecnologia fica na matriz, observa Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV-SP:— Se a economia de uma região não cresce e a demanda cai, a empresa encerra a produção ou deixa o país. Não adianta ter um mercado consumidor potencialmente grande se a economia não cresce.Sem vaga:quatro histórias de quem perdeu emprego na indústriaAntes de anunciar o fechamento de suas três fábricas remanescentes no Brasil, a Ford já tinha baixado as portas da emblemática unidade de São Bernardo do Campo (SP), em 2019, com o fim da produção de caminhões. Agora, vai vender aqui o que produz em países vizinhos, como a Argentina.No fim de 2020, a Mercedes-Benz anunciou que deixaria de produzir automóveis na fábrica de Iracemápolis (SP). A Sony decidiu fechar sua fábrica de televisores e câmeras em Manaus em março do ano passado. Vendeu a unidade para a fabricante brasileira de eletrodomésticos Mondial.Falta inovaçãoEm 2018, outras duas japonesas desistiram do país. A Nikon, de equipamentos fotográficos, e a cervejaria Kirin, que vendeu sua operação para a Heineken. Nessa revoada também estão os laboratórios Roche, que vai fechar sua fábrica no Rio, e Eli Lilly, que deixou São Paulo. No varejo, grandes redes mundiais como Walmart e Fnac também se retiraram. A start-up americana Lime, de patinetes, foi embora em janeiro de 2020, seis meses após desembarcar aqui.Os investimentos estrangeiros no Brasil caíram 48% entre o primeiro semestre de 2019 e o de 2020, quando somaram US$ 18 bilhões, segundo a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A pandemia impactou o fluxo, diz a Unctad, mas a baixa competitividade do país e a dificuldade de deslanchar privatizações também contaram.A participação de estrangeiros na compra de empresas no Brasil, que já foi de 50,9% em 2015, caiu para 23,6% em 2020, mesmo com condições favoráveis, como o câmbio, segundo estudo da consultoria PwC.O Brasil vem deixando de atrair o interesse de grandes grupos estrangeiros, especialmente na indústria, por falta de competitividade e produtividade, o que é agravado pelo baixo investimento em inovação, diz o professor de Economia do Insper Otto Nogami:— Nas últimas décadas, o governo não priorizou o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Do ponto de vista dos custos, produtividade e competitividade são essenciais para atrair e manter empresas estrangeiras. Hoje, o enfoque é tecnologia. Se não há um ambiente para o desenvolvimento de tecnologia, as empresas saem ou nem vêm.Ele avalia que a instabilidade do real frente ao dólar, em boa parte atribuída à falta de sinais claros do governo sobre sua estratégia para controlar as contas públicas e avançar nas reformas estruturais, também é um fator que assusta o capital estrangeiro.Impede que o investidor tenha previsibilidade, um quesito chave para as empresas. Portanto, não será surpresa se outras grandes estrangeiras saírem em breve, alerta Nogami.Peso simbólicoA participação da indústria no PIB do país está próxima da de países desenvolvidos como EUA ou Alemanha, explica o gerente executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca. A diferença é que a queda dessa participação por aqui foi muito forte, especialmente na década de 1990, sem que o país tenha um setor de serviços tão desenvolvido, mais focado em tecnologia.Para Fonseca, a saída da Ford tem um peso mais simbólico do que de fato impacto no PIB:— Outras empresas automobilísticas vão ocupar o lugar da Ford. O que preocupa é o fato de várias empresas estarem saindo do Brasil.Além do atraso na reforma tributária, a complexidade do sistema e mudanças constantes nas alíquotas de impostos também dificultam planejar investimentos aqui, observa Luis Carlos dos Santos, diretor da Mazars, uma consultoria empresarial.No início deste ano, o governo de São Paulo aumentou a alíquota de ICMS para veículos novos de 12% para 13,33%. E o imposto subirá para 14,5% em abril.<br/><b>G1</b>