O anúncio de encerramento da produção de veículos da Ford no Brasil completa um mês nesta quinta-feira (11). Após um século produzindo no país, a montadora já encerrou as atividades produtivas em Camaçari (BA) e deve fechar as unidades de Taubaté (SP) e Horizonte (CE), de jipes Troller, até o final do ano. Os veículos continuarão sendo vendidos aqui, mas serão importados da Argentina e do Uruguai.Com a saída da multinacional do país, além das 5 mil demissões já anunciadas, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico (Dieese) estima uma perda potencial de mais de 118.864 mil postos de trabalho, somando diretos, indiretos e induzidos — o que representa uma perda de massa salarial da ordem de R$ 2,5 bilhões ao ano.Além disso, pode haver uma queda na arrecadação de tributos e contribuições de R$ 3 bilhões ao ano. Cada R$ 1 gasto na indústria automobilística acrescenta R$ 1,40 no valor agregado da economia, informou a entidade.Na semana passada, a Justiça do Trabalho suspendeu as demissões nas fábricas de Taubaté (SP) e Camaçari (BA) até que as negociações com os sindicatos sejam encerradas. As liminares foram expedidas na sexta-feira (5) em resposta a ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). A Ford recorreu das decisões.Vale lembrar que, em 2019, a Ford fechou a fábrica de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e deixou de vender caminhões na América do Sul.Em comunicado divulgado à imprensa no mês passado, a fabricante disse que a decisão de deixar o Brasil se deve ao crescimento da "capacidade ociosa da indústria e à redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas".Segundo José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese, os motivos vão além da capacidade ociosa e do custo Brasil: estão relacionados também ao atraso na produção de veículos híbridos e elétricos e ao advento de aplicativos de transporte compartilhado, como Uber e 99.Nos últimos cinco anos, a companhia também perdeu espaço no país para as montadoras asiáticas Hyundai e Toyota. Com isso, sua participação nas vendas caiu de 10,4% em 2015 para 7,1% em 2020."Quando você fecha uma planta industrial, gera um efeito irradiador na cadeia em geral. Todo país desenvolvido tem uma indústria forte. O Brasil já teve o parque industrial mais diversificado da América Latina", disse o coordenador.Com a saída da Ford do Brasil, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estima que a capacidade produtiva total do Brasil vai cair dos atuais 5 milhões de unidades por ano para algo em torno de 4,5 milhões a 4,7 milhões.’Choque psicológico’Sidivaldo Borges é contratado pela Ford há 26 anos como operador de máquinas e há 12 anos atua como dirigente sindical. Ele afirma que a cidade ainda não sente o impacto econômico do anunciado fechamento da fábrica, mas vive um choque psicológico com a notícia inesperada."Temos incertezas e dúvidas sobre nossas famílias, além de um sentimento de tristeza e deslealdade. Fizemos nossa parte e a empresa, no lugar de manter os investimentos prometidos, nos surpreendeu com a notícia de encerrar as operações", disse ele, que é diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté.Com o fechamento da planta, R$ 100 milhões em massa salarial deixarão de ser injetados anualmente na economia da cidade — o equivalente a 10% do PIB de Taubaté.Com 470 empregados e colaboradores, a unidade de Horizonte, no Ceará, deve ser a última a fechar as portas no Brasil, entre outubro e dezembro deste ano.Camaçari vive era pós-FordCom o fechamento da unidade de Camaçari, a Bahia começa a sentir os impactos econômicos da decisão da montadora norte-americana, em um verdadeiro efeito dominó.Dos 2.500 cegonheiros que faziam o transporte de veículos da Ford, 98% pararam de trabalhar, aponta o Sindicato das Pequenas e Micro Empresas e Transportes Rodoviários Autônomos de Veículos do Estado da Bahia (Sintraveba).O mesmo acontece com trabalhadores de transportes rodoviários. Dos 250 motoristas que transportavam funcionários para Ford, 150 foram demitidos, calculou o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários da Bahia.Segundo Walter Pinheiro, secretário estadual do planejamento da Bahia, pequenas empresas de bens de consumo, como mercados e padarias, e até profissionais liberais, como o "baiano do acarajé, estão sofrendo bastante com a saída da Ford"."O maior prejuízo é a redução do nível de empregabilidade. Houve um progresso com a liminar [que impede as demissões], mas quanto tempo isso vai durar? Vai chegar uma hora que vamos precisar enfrentar o alto número de desempregados", disse o secretário.Dados levantados pelo G1 com a Junta Comercial do Estado da Bahia (Juceb) mostram que o número de empresas fechadas em Camaçari, incluindo Microempreendedores Individuais (MEIs), aumentou 56% em janeiro deste ano, em relação a dezembro de 2020 — passando de 86 de 134.Na comparação com janeiro de 2020 (130 empresas), no entanto, a alta é de apenas 3%.Entre os setores que mais devem ser afetados, segundo projeção da SEI, estão:Comércio e serviços de manutenção e reparação de veículos: perda de 6% do valor agregado;Transporte, armazenagem e correios: perda 6%;Serviços prestados às empresas: perda de 1%."Há um processo de desindustrialização ocorrendo no país. A gente também está enxergando uma migração para outras áreas na Bahia. Temos que pensar em veículos elétricos e trabalhar em energia eólica para recuperar os investimentos em tecnologia", afirmou Pinheiro.Procurada, a Ford informou que "está trabalhando de forma próxima com seus parceiros no desenvolvimento de um plano justo e equilibrado para minimizar os impactos do encerramento da produção no Brasil".Também afirmou que recorreu das liminares deferidas pelas Varas do Trabalho de Camaçari e de Taubaté, e que já possui audiência virtual agendada para sexta-feira (12) na tentativa de conciliação com o TRT da Bahia.Sobre Horizonte, no Ceará, a montadora afirmou que a fábrica seguirá operando normalmente até o quarto trimestre de 2021.<br/><b>G1</b>